Em certas horas, faremos bem em dizer o que é preciso e somente sobre um conhecimento que dominamos. Ao contrário disso, a molecada gosta de ser expert em tudo, e acaba metendo os pés na própria boca. Esse é o caso dos crescentes comentários sobre uma epidemia de gripe, exacerbados pelo acesso geral aos novos meios de comunicação. De repente, todo mundo é médico e jornalista. Benditos os verdadeiros doutores do corpo e os fiéis comunicadores da verdade, mas Deus me livre de ser repórter de bolso ou cientista de araque.
Deus me livre da peste e do desejo de ser relevante. Por que esse paralelo improvável? É para lembrar de não cair na tentação de usar a peste como púlpito para uma pregação pessoal. Não é hora de choro lírico nem de canto trágico, mas tempo de considerar a confiança no Pai celestial e a sua misericórdia para conosco. Deus permita que eu fale à alma segundo a Palavra a fim de produzir esperança em vez de causar ansiedade.
Em situações como a desse tipo de crise que se descortina, não será por acaso o surgimento de comparações com outras febres e gripes ou com peças literárias, como “A peste”, de Camus — e, especialmente diferenciada, com a revelação bíblica da história de Jó. No caso do Livro de Jó, o diabo desafia a Deus a provar a fidelidade do servo a quem o Senhor declarou justo. Jó era homem respeitado pelos juizes de sua terra e por seu povo, e Deus o chamou a participar de sua própria honra. De fato, o mesmo tecido social e a mesma costura individual, característicos dos males de grandes proporções, aparecem também na presente ameaça do coronavirus. Assim, antes de qualquer outra palavra, haveremos de considerar a soberania de Deus, sua fidelidade e sua bondade para conosco, em Cristo Jesus. Para isso, somos levados a lembrar que o Senhor tem sido o nosso Redentor, muitas vezes e em diferentes ocasiões.
Isso posto, observe como Deus trata com as questões mais profundas da motivação humana, na resposta de Jó. A sua alma estava aflita por causa de feridas e dores físicas. Estava cheia de espanto e ira em função de um humano senso de méritos e direitos próprios. Ele poderia, até mesmo, ter pensado:
“Como um Deus bom permite tamanha maldade a alguém reconhecidamente justo?” Jó, contudo, curva-se ante a autoridade e a justiça do único Santo: “Orna-te, pois, de excelência e grandeza, veste-te de majestade e de glória. Derrama as torrentes da tua ira e atenta para todo soberbo e abate-o. Olha para todo soberbo e humilha-o, calca aos pés os perversos no seu lugar” (40.10 a 12).
Adiante, no relato bíblico, chegamos ao ponto mais agudo da questão, quando Jó também diz:
“Bem sei que tudo podes, e nenhum dos teus planos pode ser frustrado. Quem é aquele, como disseste, que sem conhecimento encobre o conselho? Na verdade, falei do que não entendia; coisas maravilhosas demais para mim, coisas que eu não conhecia. Escuta-me, pois, havias dito, e eu falarei; eu te perguntarei, e tu me ensinarás. Eu te conhecia só de ouvir, mas agora os meus olhos te vêem. Por isso, me abomino e me arrependo no pó e na cinza” (42.2 a 6).
O que nós deveríamos aprender de Jó?
Primeiro, que Deus expôs a motivação de Jó. Ele permitiu que o seu justo (justificado) sentisse a angústia da aflição, a dúvida em relação ao critério divino, e o calor da reação humana, especialmente a estultícia humana. Não permitiu, porém, que o ser humano se exaltasse sobre o Criador e Senhor de todas as coisas. Segundo, Deus concedeu a Jó que experimentasse a extensão de seu plano redentor, a altura de seu amor e a presença fiel de seu cuidado.
Os “amigos” de Jó tinham muito a dizer, saído das entranhas do saber segundo o mundo, e o próprio Jó tinha muito a aprender, tal como nós também — coisas que somente se aprendem nas vitórias sobre as crises. O livro de Jó é escrito no ambiente da história maior do que a de uma vida saudável e próspera ou uma de guerras e pestes. Deus revela-se como o Senhor e Redentor do indivíduo e, por meio dele, comunica a sua salvação à sociedade em que ele vive.
No começo do livro, Jó orava por seus filhos para que não pecassem. Depois de sofrer dores do corpo e da alma, e de compreender a sabedoria de Deus — seu plano, sua bondade e seu governo — Jó abandonou a ira e a lamentação, e orou por seus companheiros, e:
“Mudou o Senhor a sorte de Jó, quando este orava pelos seus amigos; e o Senhor deu-lhe o dobro de tudo o que antes possuíra. Então, vieram a ele todos os seus irmãos, e todas as suas irmãs, e todos quantos dantes o conheceram, e comeram com ele em sua casa, e se condoeram dele, e o consolaram de todo o mal que o Senhor lhe havia enviado; cada um lhe deu dinheiro e um anel de ouro. Assim, abençoou o Senhor o último estado de Jó mais do que o primeiro” (42.10 a 12).
Disponhamo-nos, portanto, a ouvir a Palavra de Deus mais do que a dos homens ou a dos nossos sentimentos; e falemos mais com Deus sobre nossas dores e as do nosso próximo do que gostamos de falar a todo mundo. Atentemos aos que reconhecemos como sábios e verdadeiros, e desprezemos o surto de besteiras que sempre acompanham as grandes crises. Principalmente, confiemos em Deus e a ele confiemos as nossas ansiedades.
Artigo Publicado pela Coalizão do Evangelho em:
https://coalizaopeloevangelho.org/article/jo-e-a-pandemia/