Aconselhamento Cristão em Perspectiva: Uma Apresentação dos Cinco Principais Pontos de Vista

Introdução

Quando falamos em Aconselhamento Cristão, a depender da perspectiva a partir da qual se encara, podemos não estar falando da mesma coisa. Para muitos, por exemplo, a expressão “Aconselhamento Bíblico” é um termo equivalente a “Aconselhamento Cristão”. Para outros, é o nome de uma escola cujo modelo é tão distinto que a mera confusão é ofensiva. 1 Se para uns “Integracionismo” é um termo anátema, para outros é uma postura não só coerente, mas que faz justiça à própria história do cristianismo. Entretanto, apesar de aparentemente desconhecidas, estas e outras visões apresentadas neste artigo já estão presentes no Brasil, nem sempre por reconhecida percepção, mas notadamente pelas mais recentes publicações no campo. 2 O leitor brasileiro deve ter sua visão ampliada, portanto, para que nossa discussão alcance tanto a profundidade quanto a complexidade que este campo enseja hodiernamente. Uma abordagem ingênua da matéria não somente pode, como de fato tem trazido muita confusão, acirrado ânimos e espalhado forças que poderiam estar construindo, juntas, conhecimento útil para o reino e glória de Deus. Acreditamos que o estímulo ao diálogo seja potencialmente produtivo, se não no sentido de acalmar ânimos, ao menos no sentido de afinar e aperfeiçoar apologeticamente os argumentos em favor de uma ou outra perspectiva. Em virtude disso, se faz mister que as diferentes visões sejam formalmente apresentadas ao público brasileiro, e em parte a isso se presta o presente artigo.

Tal se faz necessário porque o aconselhamento é uma área que oferece grandes oportunidades de ajuda ao próximo, ao passo que tem igualmente oferecido grandes desafios. Portanto, a apresentação que se seguirá neste artigo tem também por objetivo providenciar solo seguro sobre o qual apresentar futuras avaliações sobre o tema, procurando contribuir para evitar potenciais problemas que uma possível visão difusa possa acarretar. Dentre esses problemas podemos listar a confusão que um conselheiro cristão ou estudante de aconselhamento pode encarar ao se deparar com opções múltiplas e conflitantes, visto que, sem o devido discernimento, elas lhes pareçam num primeiro momento ou opções plenamente viáveis ou totalmente descartáveis. Há também que se evitar perigos subsequentes para aqueles que adotam uma cosmovisão cristã reformada, como a possibilidade de adoção de uma visão conflitante 1 De fato, até os anos 90 Aconselhamento Bíblico e Aconselhamento Cristão eram expressões usadas para designar posições diametralmente opostas. O Aconselhamento Cristão, como movimento, procurava integrar de alguma forma a psicologia com o cristianismo, enquanto que o Aconselhamento Bíblico rejeitava qualquer empreendimento nessa direção. Cf. MARRS, Rick R. Christian counseling: the past generation and the state of the field. Concordia Journal, v. 40, n. 1, 2014, p. 33. sobre o Aconselhamento Cristão que não reflita ou até mesmo milite contra essa cosmovisão.

Antes de prosseguir, porém, é importante salientar pelo menos três coisas. Em primeiro lugar, que não é o propósito do presente artigo identificar nem avaliar todas as propostas de Aconselhamento Cristão existentes. Conforme percebido por Callahan, 3 as diferentes perspectivas existentes no campo do Aconselhamento Cristão podem variar -como de fato têm variado grandemente -através das diferentes tradições cristãs, até como resultado dessas mesmas tradições. As opções listadas aqui, portanto, se restringem àquelas que tem pretendido de alguma forma se alinhar com os princípios teológicos da fé cristã reformada. Reconhecemos, porém, o caráter dinâmico e não monolítico de cada uma delas (como alertaram Greggo e Sisemore 4 ), e, desta forma, envidaremos esforços procurando não fazer uma caricatura de nenhuma das perspectivas aqui apresentadas.

Em segundo lugar e em virtude do que foi dito, reconhecemos também que há outras maneiras de organizar as perspectivas apresentadas aqui, como fez, por exemplo, McMinn. 5 Ainda que reconheçamos que sua proposta não seja necessariamente organizar uma lista das diferentes visões, numa comparação se notaria que algumas visões de sua coleção estão ausentes aqui, pelas razões que apontaremos a seguir.

Em terceiro lugar, a redução para as cinco principais perspectivas não foi uma escolha arbitrária. Na verdade, de acordo com Johnson, 6 as cinco visões que serão em breve apresentadas são as perspectivas cristãs mais bem desenvolvidas teoricamente, e, portanto, perfazem uma representação justa e compacta do espectro de opções do Aconselhamento Cristão, retratando bem a maneira como a maioria dos cristãos têm entendido o relacionamento entre psicologia e cristianismo. 7 Entretanto, o leitor notará sobreposições em alguns A despeito de muitos autores usarem diferentes termos para se referir à disciplina em questão, como Teologia, Fé Cristã ou Religião, aqui será usado o termo “Cristianismo” por entendermos que é um termo elástico o suficiente para incluir todos os demais com respeito às diferentes visões. momentos, 8 o que explica de antemão o motivo pelo qual alguns nomes, definições e abordagens conectadas aqui com uma perspectiva específica podem aparecer alhures ligados a outra diferente.

1. Uma Questão Metodológica

Este artigo buscará contribuir para o desenvolvimento das fundações teóricas do Aconselhamento Cristão, usando para isso a amplamente aceita metodologia de Richard Osmer 9 como estrutura para se desenvolver pesquisas na área da Teologia Prática. Esta proposta foi resumida por Smith 10 Este artigo pretende responder à primeira das perguntas: “O que está acontecendo?”. Ela corresponde à tarefa descritiva, que por sua vez corresponde à atividade da lide pastoral que exercita um “ouvido sacerdotal”. Essa “escuta” será feita por meio da análise do material publicado de acesso amplo e irrestrito com respeito às diferentes perspectivas no Aconselhamento Cristão. Essa análise pretende apresentar as principais perspectivas de modo que o material torne possível avaliações posteriores dos principais pontos fortes e fracos dessas perspectivas.

2. Breve Panorama Histórico

Os últimos cinquenta anos ou mais viram um crescente interesse dos cristãos pela psicologia sob a crença de que ela lhes seria uma ferramenta útil . Ainda que porventura seja desconhecida no Brasil, há benefícios em se usar a metodologia de Osmer, tal como o enriquecimento hermenêutico que a inter-relação das quatro tarefas promove. Contudo, a adoção dessa metodologia não significará adotar com ela os pressupostos liberais que porventura a possam acompanhar. Tais pressupostos foram criteriosamente criticados por Smith em: SMITH, Kevin G. Review of Richard Osmer, Practical theology: an introduction. The Journal of the South African Theological Seminary, v. 10, 2010, p. 111, que ainda assim vê nessa estrutura uma ferramenta útil e simples para a pesquisa em teologia prática. 10 Ibid., p. 101. e agregasse valor ao trabalho do conselheiro cristão. 11 Tal interesse, entretanto, abriu as portas para duas importantes reações. A primeira foi a aceitação de perspectivas alternativas no campo da psicologia, o que incluía os estudos religiosos -em sua maioria cristãos -ao ponto de, hoje em dia, haver entendimento geral entre conselheiros e terapeutas de serem eticamente obrigados a considerar a orientação religiosa de seus “clientes”. 12 A outra foi a percepção de dificuldades concernentes à definição, extensão e limites do relacionamento entre cristianismo e psicologia, que demandava maior clareza em um relacionamento potencialmente problemático. 13 O reconhecimento dessa necessidade, longe de ser um fator desencorajador, provou ser uma força motriz para aqueles que se lançaram ao desafio de procurar interagir e eventualmente integrar essas disciplinas. 14 Estes esforços também trouxeram à baila a necessidade de um modelo apropriado de interação entre cristianismo e psicologia, na busca por responder como deveriam conversar e/ou cooperar. 15 Contudo, essas tentativas trouxeram mais discórdia do que entendimentos para esse campo, especialmente no que se referia às apropriações da psicologia e suas propostas terapêuticas. 16 De fato, a história do relacionamento entre a psicologia e o cristianismo tem sido confusa, geralmente não amigável e pouco proveitosa. 17 Justamente por isso é digno de nota que já em 1996 Brian Eck 18 tenha identificado e criticado vinte e sete modelos de relacionamento entre psicologia e cristianismo.

Portanto, tomaremos como ponto de partida para a apresentação das perspectivas o livro Psychology & Christianity: Five Views (Psicologia e cristianismo: cinco visões), editado por Johnson. 19 Entretanto, é bom lembrar que essas mesmas cinco perspectivas são encontradas em outros trabalhos, inter alia, o livro editado por Greggo e Sisemore, Counseling and Christianity: Five Approaches (Aconselhamento e cristianismo: cinco abordagens). 20 Neste, os autores de cada perspectiva aplicam os princípios que defendem a um estudo de caso, descrevendo como cada um providenciaria cuidados e soluções aos problemas da pessoa indicada. Em Psychology & Christianity Integration: Seminal Works That Shaped the Movement (Integração entre psicologia e cristianismo: trabalhos seminais que moldaram o movimento), 21 há uma coleção dos artigos historicamente mais relevantes que abordam o relacionamento entre a psicologia e o cristianismo, como o título antecipa. Mencionamos também Coração e Alma: Uma Perspectiva Cristã da Psicologia, de Willem Ouweneel, recentemente publicado em português. 22 Apesar de reconhecermos a contribuição que faz, é importante mencionar que seu objetivo não foi ava-liar as diferentes perspectivas, 23 ainda que mencione quatro delas. Também é importante salientar que Ouweneel está empenhado em defender uma das cinco perspectivas, ainda que até o momento da publicação de seu trabalho (originalmente publicado em 2008), a quinta perspectiva não estivesse tão madura como quando apareceu no livro de Johnson, publicado dois anos depois. 24

3.1 A Perspectiva Do Aconselhamento Bíblico

O Aconselhamento Bíblico é uma perspectiva bem conhecida no Brasil, e sua crença fundamental é igualmente bem conhecida: a Bíblia é suficiente para lidar com todos os problemas da vida, o que compreende todas aquelas categorias não-orgânicas de comportamento, mesmo aquelas que agora porventura carreguem algum rótulo diagnóstico vindo da psicologia e da psiquiatria. Da perspectiva do Aconselhamento Bíblico, portanto, aqueles problemas rotulados psicologicamente e psiquiatricamente, por conta de suas raízes serem de ordem eminentemente espiritual, demandam uma solução cristocêntrica no lugar das soluções seculares autocentradas. 25 Sustentando uma abordagem exegética da Bíblia e reivindicando manuseá-la corretamente, a perspectiva do Aconselhamento Bíblico expressa um compromisso com a suficiência das Escrituras, que, para aqueles que a sustentam, exclui qualquer interferência externa às Escrituras. Baseados na exclusividade da doutrina da suficiência das Escrituras, os defensores desta perspectiva também reivindicam estar produzindo uma teoria centrada no evangelho derivada de uma cosmovisão estruturada e efetiva para o diagnóstico e tratamento de todos os problemas da alma. 26 Como o leitor notará a seguir com respeito às demais perspectivas, o Aconselhamento Bíblico também reconhece o papel da psicologia em desafiar seus preceitos, fazendo com que seus adeptos aprendam e desenvolvam seus argumentos. 27 Entretanto, por mais útil que a psicologia possa ser, conselhei- 23 Idem. Heart and soul: a Christian view of psychology. Grand Rapids, MI: Paideia, 2008, p. 6-7. 24 Ver: JOHNSON, A brief history of Christians in psychology, p. 199-226. 25 BOBGAN; BOBGAN, The end of “Christian psychology”, p. 8; CAMPBELL-LANE, Yvonne; LOTTER, George A. Biblical counselling regarding inner change. Koers, v. 70 ros bíblicos tendem a evitar qualquer uso das teorias modernas da psicologia, negando qualquer legitimidade ou papel estratégico da psicologia como ferramenta para prover tanto entendimento intelectual quanto prático capaz de beneficiar o cuidado da alma. 28

3.2 A Perspectiva Do Integracionismo

A segunda perspectiva também pode ser considerada conhecida, de certa forma. Trata-se da perspectiva do Integracionismo. Essa perspectiva afirma a psicologia como ciência, mas reconhece que ela é moldada pelos pressupostos do psicólogo, ou seja, quaisquer que sejam os pressupostos do psicólogo serão refletidos tanto na pesquisa quanto na aplicação prática de sua psicologia. 29 Em outras palavras, de acordo com a perspectiva do Integracionismo a psicologia está imersa e tem sido moldada pelos pressupostos morais e metafísicos que demandarão do pesquisador cristão modificações e remodelações daquilo que puder ser aprendido da psicologia à luz de suas crenças cristãs. 30 Uma vez que os estudiosos da psicologia conceituam o comportamento humano como “raramente” neutro, alguém estará praticando o Integracionismo quando desenvolve conceitos cristãos e também os aplica em como o comportamento humano pode ser entendido. 31 Esta característica pode ser vista quando Jones resume a perspectiva integracionista como “profundamente moldada pelas convicções cristãs dele ou dela, mas que também é moldada por uma apropriação crítica, mas apreciativa da sabedoria das abordagens seculares”. 32 A crença distintiva do Integracionismo é que a Escritura não provê tudo o que é necessário para entender os seres humanos de modo abrangente, nem reconhece que a Escritura reivindique revelar tudo o que a humanidade possa desejar saber. 33 Portanto, de acordo com essa perspectiva, há um papel legítimo e estratégico para a psicologia no sentido de, como ciência, providenciar ferramentas intelectuais e práticas para o entendimento e melhora das condições humanas. 34 Contudo, a fim de praticar a crença no senhorio de Cristo sobre toda a existência, defende o Integracionismo, há que se dar lugar de autoridade apropriado para a revelação especial da Escritura, determinando as crenças e práticas fundamentais com relação à realidade, em especial em relação à psicologia. 35 28 MACARTHUR JR., Rediscovering biblical counseling, p. 6. 29 JONES, S. L. An integration view. In: JOHNSON, Psychology & Christianity, p. 101, 105, 114, 115, 253. 30 Ibid., p. 125. 31 Ibid., p. 115. 32 Ibid., p. 115, 119. Minha tradução. 33 Ibid., p. 101. 34 Ibid., p. 110. 35 Ibid., p. 101, 115, 116.

3.3 A Perspectiva Dos Níveis-De-Explicação

Essa perspectiva defende um reconhecimento apropriado da “unidade multinível” da criação, 36 expressa por cada disciplina acadêmica do conhecimento humano. 37 Como tais, psicologia, teologia ou química são Níveis-de–Explicação nos quais a realidade pode ser explicada, e esta perspectiva defende que não há necessidade de confundir as relações complementares dos vários níveis de explicação. 38 De forma mais específica, a psicologia é entendida como a ciência dos processos mentais e do comportamento, que está entre muitas outras perspectivas importantes a partir das quais o homem pode ser observado e estudado. 39 A perspectiva dos Níveis-de-Explicação defende que o cristianismo se relaciona com a psicologia motivando-a como ciência, demandando cético escrutínio, expressando uma fé enraizada em valores, relacionando as descrições psicológicas e religiosas da natureza humana, estudando os determinantes da experiência religiosa bem como os efeitos da religião sobre a experiência humana. 40

3.4 A Perspectiva Da Psicologia Cristã

A despeito dessa perspectiva carregar o termo “psicologia” no nome, a Psicologia Cristã não reconhece uma psicologia universal ou um único corpo de conhecimento que possa ser chamado de psicologia capaz de ser igualmente aceito por todos a despeito dos compromissos metafísicos pessoais de cada um. 41 Isto é assim porque, ainda que considerando a psicologia como ciência, não a considera no mesmo sentido que a química, física ou outras ciências. 42 Para aqueles que sustentam essa perspectiva, há um diferencial na psicologia por estudar o comportamento e os processos mentais das pessoas com implicações éticas e normativas. 43 Grove A perspectiva da Psicologia Cristã também reconhece o quanto os compromissos pessoais influenciam alguém que esteja fazendo uma pesquisa empírica em psicologia -como os integracionistas 44 -mesmo quando se argumenta que tal pesquisa tenha sido feita sem pressupostos metafísicos ou valores de julgamento. 45 Entretanto, não importa quão “objetiva” uma pesquisa psicológica tenha sido feita, um psicólogo cristão não derivará normas apenas dos dados. 46 Como no caso da perspectiva dos Níveis-de-Explicação, 47 aqui a fé, quando desafiada, irá usar os métodos empíricos como um estímulo para buscar um conhecimento mais profundo, que será obtido quando os reclamos da tradição cristã se virem contestados por procedimentos válidos defensáveis. 48 O diferencial é que essa perspectiva preza por “desenvolver uma Psicologia que acuradamente descreva a natureza psicológica dos seres humanos” levando em consideração a tradição cristã histórica. 49 Para o propósito de se alcançar uma psicologia distintamente cristã, o pesquisador deverá dar dois passos básicos: primeiro, empreender uma releitura da Escritura, quando necessário, como alguns dos grandes psicólogos cristãos do passado fizeram. O objetivo é identificar categorias psicológicas já conhecidas que sejam filosoficamente saudáveis, teologicamente ortodoxas, biblicamente enraizadas e psicologicamente defensáveis, enquanto a Escritura usa termos diferentes. 50 O segundo passo seria se engajar na pesquisa empírica com pessoas, de um modo comum à “psicologia contemporânea e praticar tal pesquisa em conformidade com os compromissos mais amplos do pesquisador”. 51 Os defensores dessa perspectiva acreditam que uma pesquisa feita sob os princípios da Psicologia Cristã compete intelectualmente com qualquer abordagem secular, seja naturalista, humanista ou pós-moderna, e com seus pressupostos metafísicos sobre a natureza humana, geralmente não reconhecidos.

Dessa forma, acreditam que é possível encarar com fidelidade os desafios do presente, por demonstrações racionais e empíricas. 52

3.5 A Perspectiva Da Psicologia Transformacional

Esta é a mais nova das perspectivas no cenário do Aconselhamento Cristão. Não somente por ser a mais recente, mas principalmente pelo seu caráter intrincado, ela merecerá um pouco mais de atenção na sua apresentação. Em especial porque, como se observará, sua definição carrega traços da perspectiva da Psicologia Cristã e do Integracionismo. A intenção é afirmar que a perspectiva da Psicologia Transformacional atinge melhor os alvos de ambos. 53 Pela semelhança com as demais perspectivas, e pelas sutilezas que a diferenciam, se faz mister que leiamos os objetivos da Psicologia Transformacional nas palavras de seus proponentes:

Nosso objetivo é argumentar a favor de uma abordagem de formação espiritual à Psicologia e ao Cristianismo que toma a transformação espiritual-emocional do psicólogo como o fundamento do entendimento, desenvolvimento e preservação do (1) processo, (2) metodologia e (3) produto de se fazer Psicologia no Espírito, que irá, por sua vez, abrir um novo horizonte em se fazer ciência de maneira geral, e Psicologia em particular. 54 A Psicologia Transformacional reconhece as influências do pensamento secular e as metodologias naturalistas sobre a psicologia, e, portanto, pretende abordar a disciplina a partir da estaca zero -como pretende a perspectiva da Psicologia Cristã -mas o fará levando em conta as “realidades cristãs”, 55 um aspecto central para a Psicologia Transformacional. 56 O foco dessa perspectiva recai primeiro sobre o psicólogo como um cientista e então sobre os processos de se fazer psicologia cientificamente, no intento de produzir uma teoria na psicologia que apresente uma abordagem ético-espiritual-metodológica. 57 Desse ponto de vista, os princípios da fé são reflexo das realidades e partes constituintes da existência, e não meramente um sistema de crenças ou cos- 55 As realidades aludidas são: o pecado original, a habitação do Espírito Santo e a alma humana.

Conforme argumentam os proponentes dessa perspectiva, tais realidades podem ser conhecidas pela observação, razão e fé, mas têm sido constantemente excluídas das abordagens seculares da psicologia em favor de metodologias naturalistas. 56 Ibid., p. 203-205. Em especial, recomendo atenção à nota de rodapé 3 na p. 203. 57 Ibid., p. 225; COE; HALL, Psychology in the Spirit: contours of a transformational psychology, p. 37, 40.

movisão. E, como tais, não somente informam -como no caso do Integracionismo -mas também moldam o processo, a produção e a pessoa que faz psicologia. 58 A proposta dessa perspectiva é redescobrir, redesenhar e repensar a maneira tradicional de se fazer psicologia como ciência, numa relação bem próxima com a teologia cristã. 59 Para a Psicologia Transformacional, entretanto, há evidente valor no conhecimento extrabíblico por ter Deus se revelado sobre uma infinidade de tópicos fora da Bíblia. 60 Entretanto, ainda que haja conhecimento da parte de incrédulos, ele é parcial (se tanto) por conta da graça comum. O que é determinante e elemento fundamental, capaz de influenciar tanto a metodologia quanto os resultados, é a transformação do psicólogo. A razão pela qual creem assim é que, da perspectiva da Psicologia Transformacional, o incrédulo é incapaz e indisposto a ver certos aspectos do ser humano e não produz conhecimento científico proveitoso como forma de amor a Deus e ao próximo, porque lhe falta um relacionamento apropriado com Deus. 61

4. Vislumbres De Uma Nova Proposta

Há um evidente benefício em se elencar as principais perspectivas do relacionamento entre psicologia e cristianismo, qual seja, dar uma visão geral e acurada o suficiente para entender que o Aconselhamento Cristão, como área, cresceu e se desenvolveu. Hoje não podemos mais falar de uma escolha do tipo “um ou outro”. As opções, além de abundantes e diferentes, carregam implicações das mais variadas espécies. Um benefício adicional em se apresentar todas as cinco perspectivas foi vislumbrar como, ao longo do tempo e do desenvolvimento acadêmico na área do Aconselhamento Cristão, a cristandade buscou responder à maneira como os cristãos poderiam se beneficiar ou não dos dados e avanços obtidos pela psicologia. Como um exercício de antecipação, contudo, se faz necessário reiterar o que foi dito no começo, que a descrição foi apenas o início de uma pesquisa que, uma vez apresentada, demanda interpretação, sábia e judiciosa, de por que as diferentes perspectivas diferem irreconciliavelmente.

É nesse contexto que o Aconselhamento Redentivo, como uma nova perspectiva, aparece. A questão que se impõe é se o Aconselhamento Redentivo pode figurar dentre as demais perspectivas do Aconselhamento Cristão. Esta, porém, não é uma questão fácil de responder, pois para isso 58 COE; HALL, A transformational psychology view, p. 204, 205. 59 Ibid., p. 199, 202. Ver também: MOON, G. W. A transformational approach. In: GREGGO et al.,

Counseling and Christianity, p. 132-156. 60 será necessária uma avaliação prévia das demais perspectivas, principalmente do ponto de vista de seus paradigmas filosóficos subjacentes. Uma avaliação dessa natureza demandará que, além de conhecer quais sejam, se saiba que paradigmas filosóficos subjacentes cada uma das perspectivas representa. Esta tarefa avaliativa, porém, não faz parte do escopo do presente artigo. Em artigo futuro pretendemos abordar a questão dos paradigmas subjacentes e apontar áreas que não foram plenamente cobertas pelas perspectivas que sejam capazes de explicar as diferenças apontadas aqui. 62 O que procuramos fazer no presente artigo foi tão somente cumprir a primeira de quatro tarefas básicas da teologia prática e descrever o quadro atual como vem sendo percebido. Uma posterior avaliação, de caráter mais filosófico, será necessária. Entretanto, esta apresentação descritiva inicial será fundamental para que os passos posteriores sejam dados, e desta forma o Aconselhamento Cristão seja, ainda que modestamente, enriquecido pelas considerações elencadas ao longo do processo.

Conclusão

Neste artigo procuramos discernir qual é o atual cenário do Aconselhamento Cristão, respondendo à pergunta “o que está acontecendo?”, que corresponde à primeira tarefa da teologia prática, de acordo com Osmer. O processo de “escuta” sacerdotal se deu pela descrição das cinco principais perspectivas no Aconselhamento Cristão.

Ainda que se tenham notado sobreposições nas diferentes abordagens, a procura em discernir as perspectivas nos permite, por fim, identificar uma importante lacuna, conduzindo à questão que permanece em aberto, pois cada perspectiva responde à questão de maneira muito distinta, e até certo ponto, insatisfatoriamente, qual seja, o papel que a psicologia desempenha no Aconselhamento Cristão, de um ponto de vista reformado.

Os problemas encontrados nas diferentes maneiras que cada perspectiva propõe de se apropriar das descobertas da psicologia carecem de maior desenvolvimento quanto ao papel das Escrituras no escrutínio dessas apropriações, de um ponto de vista reformado. Esse desenvolvimento deverá se refletir numa perspectiva que lide apropriadamente tanto com a teologia reformada quanto com aspectos filosóficos mais profundos.

Até este ponto, portanto, é seguro tão somente afirmar que o cenário oferece uma figura complexa e multifacetada. Em vista dos desgastes que en- 62 ECK, B. E. Integrating the integrators: an organizing framework for a multifaceted process of integration. In: STEVENSON; ECK; HILL, Psychology and Christianity integration, p. 231. Na verdade, Eck acabou identificando e catalogando vinte e sete modelos ou perspectivas em três grandes paradigmas principais sobre os quais se desenvolve o relacionamento entre psicologia e cristianismo, que serão abordados de modo apropriado posteriormente. volvem o relacionamento entre o cristianismo e a psicologia, oscilando entre um eixo de aceitação e rejeição, precisamos de uma perspectiva que vá além da histórica celeuma, e seja capaz de oferecer aos cristãos uma posição que encoraje a pesquisa científica que não comprometa sua fé. 63 Uma vez que há claras implicações em se reconhecer de modo diferente a autoridade das Escrituras no que tange a absorver elementos da psicologia, este assunto, reafirmamos, ainda carece de maior clarificação. 64

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