Psicologização do Púlpito e Relevância na Pregação

Introdução

Certamente alguns púlpitos estão precisando de mais referências sobre Nietzsche, Darwin, Freud e outros. Criticamente. 1 De fato, os sermões não raro contêm pensamentos e até frases dos pensadores “que regem o mundo a partir do túmulo”, 2 sem citação da fonte. Vêm embrenhados na cultura geral, formativa, da sociedade moderna e pós-moderna -não só dos pregadores. O fenômeno não é particular da igreja, mas foi “importado” para o novo mundo cristão como especiarias de consumo para agradar o paladar de um novo tipo de fome.

A última pulsão histórica do pensamento secular -no bojo dos séculos 18 e 19 -trouxe aos portos da cristandade o seu grito de independência e morte. “Deus não pode ser tocado”, bradaria Kant. “Deus sequer pode ser contatado”, ressoaria Schleiermacher. “Deus não fala”, diria Wellhausen à meia-voz. “Deus morreu”, afirmaria Nietzsche, peremptório. “Deus é o mal”, determinaria Freud. De súbito, a igreja viu minguar os peixes de suas praias. Viu se erguerem ondas de autonomia humana, espumadas de criticismo e indução, e da independência da consciência humana lançando na areia móbil a mornidão de uma religião científica. 3 Grande número de pregadores abandonou suas redes em busca de alimentos sintéticos para as necessidades de uma nova sociedade. Faltos de uma epistemologia bíblica e de uma metafísica transcendental, não poucos pastores -alimentadores do rebanho, curas de almas, educadores da fé e pregadores do evangelho -se encontraram carentes da autoridade da Palavra e desejosos do poder da persuasão. O povo estava ali, mendigando à porta do templo, esperando o favor de Pedro, porém, com novos olhos, ouvidos e mente. Onde a relevância do evangelho? Onde o poder e a autoridade nos céus e na terra? Onde a experiência religiosa? Certamente, o alimento da Palavra, a água do batismo, e o pão e o vinho da Ceia eram ainda bons memoriais para a fé e, talvez, até mesmo excelentes metáforas para as grandes descobertas das psicologias. Estaria aí uma nova bênção de Deus? Novo composto vitamínico cultural para uma população de baixa renda espiritual? Armand M. Nicholi, da Universidade de Harvard, escreveu:

Os historiadores, hoje, comparam as contribuições científicas de Freud com as de Planck e Einstein. Ele aparece na maioria das listas dos grandes médicos da história. Esteve recentemente na capa de Times (com Albert Einstein) numa edição dedicada às maiores mentes científicas do século, em sexto lugar num rol de cem dos cientistas mais influentes… Usamos expressões tais como ego, repressão, complexo, projeção, inibição, neuroses, psicose, rivalidade fraterna e lapso freudiano, sem sequer citar a fonte. 4 2 BREESE, Dave. Seven men who rule the world from the grave. Chicago: Moody Press, 1990. 3 Ver o acurado tratamento que Van Til dá ao assunto. VAN TIL, Cornelius. Defense of the faith: psychology of religion. Phillipsburg: Presbyterian & Reformed, 1971, p. 1-7. Pretende-se, aqui, considerar a necessidade de um retorno dos púlpitos à prática de uma epistemologia bíblica e de sua conseqüente apologética cristã. Para isso será necessária uma avaliação da finalidade do homem e da sociedade, e do propósito da pregação. Será preciso também um exame da importância da pregação expositiva (que só será realmente expositiva se for também ao mesmo tempo textual e tópica). E será ainda valiosa uma ponderação sobre a relevância da psicologia bíblica redentiva (que bons autores relutam em considerar por causa da possibilidade de mistura e confusão).

1. A História Da Redenção E A Pregação Na História

As reações de pregadores religiosos às tragédias de 11 de setembro de 2001 e do tsunami de 2004 ilustram algumas das fraquezas teológicas do púlpito moderno. Numa reunião de solidariedade da comunidade americana de São Paulo, um sacerdote romano concluiu que Deus não estava presente no ataque terrorista às torres gêmeas de Nova York. Deus chegou atrasado, anuiu um rabino. Só o pastor reformado pode dizer que Deus esteve lá, morrendo antes da fundação do mundo por causa do pecado. No outro caso, o desastre natural (talvez a gota d’água em forma de uma grande onda) fez um pastor evangélico decidir: Deus não conseguiu evitar a catástrofe.

Eventos ainda mais terríveis foram relatados na imprensa divina, juntamente com o registro de diferentes reações. Depois da expulsão da humanidade da terra natal, mudando radicalmente o mundo e a sociedade, a natureza e os relacionamentos, Adão e Eva coabitaram e tiveram um filho, do qual Adão disse: “Adquiri um varão com o auxílio do Senhor” (Gn 4.1). Mais tarde, esse filho, referendando a Queda por meio do culto autodeterminado, encheu-se de ira e de inveja do culto redentivo de seu irmão Abel, e o matou. Sendo aconselhado por Deus quanto ao problema da depressão e da ira, impenitente, disse: “É tamanho o meu castigo, que já não posso suportá-lo” (Gn 4.13).

Depois da hecatombe universal do Dilúvio, Noé levantou “um altar ao Senhor e… ofereceu holocaustos… E o Senhor aspirou o suave cheiro e disse consigo mesmo: Não tornarei a amaldiçoar a terra por causa do homem” (Gn 8.20-21) -e fez com ele uma aliança eterna. Mais tarde na história, os homens se esqueceram do pacto do Senhor, e disseram: “Vinde, edifiquemos para nós uma cidade e uma torre cujo tope chegue até aos céus e tornemos célebre o nosso nome, para que não sejamos espalhados por toda a terra” .

O acontecimento mais terrível de toda a história, a cruz do Gólgota (alguém se escandaliza com os lanhos da Paixão de Cristo, de Mel Gibson?), também apresentou reações opostas, as quais já tinham sido profetizadas por Simeão:

Eis que este menino está destinado tanto para ruína como para levantamento de muitos em Israel e para ser alvo de contradição (também uma espada traspassará a tua própria alma), para que se manifestem os pensamentos de muitos corações .

Herodes, por sua vez, “enfureceu-se… grandemente e mandou matar todos os meninos de Belém” (Mt 2.16).

O fato é que a história é feita sob o controle, autoridade e presença do único Deus que criou o tempo, a matéria e o espaço (Gn 1.1). Deus é o ponto referencial da história, o princípio e o fim e, sem essa referência para a fé, não há como conhecer ao próprio Deus nem conhecer e entender o homem e o mundo (Hb 11.3, 6) .

Não é fácil para os pastores enfrentar o problema da dor em suas congregações. Pequenas grandes tragédias assolam os rebanhos. Leões, ursos e golias ameaçam os campos de pasto e de guerra. Lobos vorazes causam temores por dentro e por fora, e os pregadores só têm para dar as palavras de um livro antigo e desprezado pelo século. “O Senhor é meu pastor”, mas sentem que falta alguma coisa de verdejante e de descanso. Não é importante que as feridas sejam curadas e que a felicidade seja posta ao alcance daqueles pelos quais, “afinal”, Jesus deu a própria vida? E a “santidade da vida”? E a “dignidade do homem”? E a “justiça” e os “direitos” humanos?

Entretanto, o problema do sofrimento não é argumento para se acrescentar algo à Palavra de Deus. Ele não deu seu Filho amado para valorizar a vida humana. Antes, Jesus morreu por causa do pecado. Deus reivindicou no seu Filho a sua própria santidade, a justiça partida e o direito quebrado. Nicholi, comparando o pensamento de Freud e a contraposição de C. S. Lewis, um ex-freudiano, disse que para o analista a reconciliação do problema da dor e do sofrimento era um obstáculo para a noção de uma cosmovisão cristã. Os cristãos, ao longo da história, têm relacionado dor e sofrimento à Queda. Freud e Lewis perguntam: Como um Deus de amor permitiria o sofrimento? Freud usou o problema para atacar a promessa judaico-cristã de que Deus abençoa aqueles que o obedecem. Lewis disse que a dor procede do mal, mas que Deus a usa para produzir o bem. Claro, diz Lewis, a proclamação da dor pode afastar as pessoas de Deus e conduzir à rebelião. 5 Porém, vale perguntar, onde estavam os rebeldes antes do sofrimento e da dor? No culto autocentrado de Caim, na rebelião do mundo caído, na expectativa do mal dos construtores de Babel? Certamente com a multidão gritando: “Barrabás”! A dor, não raro, é uma desculpa para não enfrentar a realidade de que o homem foi criado para Deus e só nele tem finalidade e propósito: “Feciste nos ad Te et inquietum est cor nostrum, donec requiescat in Te”. 6 Sem uma noção teo-referente do Criador, da criatura e da criação, restam somente ídolos de substituição. Daí a ênfase tão grande ao tema “Deus versus ídolos” na Escritura. Sem uma noção da autoridade da Escritura como revelação 5 Ibid., p. 183-215. 6 AGOSTINHO, Confissões. I:1: “Fizeste-nos para Ti e inquieto será o nosso coração até que descansemos em Ti”. proposicional de Deus, resta a observação “científica” de um mundo decaído, feita por observadores decaídos -rebeldes contra Deus, adversos aos seus pensamentos e inversos quanto à Fonte referencial da vida e da identidade.

A Palavra de Deus pregada segundo a vontade de Deus não pode considerar a Escritura em termos de comparação com a observação humana. A Bíblia não é um livro para ser comparado com outros livros de arte, ciência ou tecnologia. Ela é desvalorizada tanto quando tomada em isolamento (a Bíblia só) quanto para produzir “sintetização” (integração). Antes, deve ser usada para o conhecimento de Deus e da criação a fim de que o homem seja salvo em união com Cristo e cresça na salvação em união com os demais salvos em Cristo -recebendo a sua glória e espelhando sua glória para o mundo. Para a satisfação deste último mister, a Bíblia é a lente de análise crítica da realidade externa e do homem interior.

Assim, o pregador da história da redenção revelada na Escritura aos homens que vivem a história faz bem quando conhece a Palavra de Deus como elemento crítico de outros pensamentos (pseudo) redentores oferecidos por não-cristãos e cristãos enganados. Haverá sempre elementos preciosos que Deus, pela graça comum, permite à humanidade decaída. Haverá também boas críticas de anticristãos quanto aos erros dos próprios cristãos, e que deveriam desafiá-los. E há também uma razão imediata para que os pregadores se apliquem ao estudo crítico dos pensadores anticristãos: a cosmovisão das congregações contemporâneas é secular e mais propensa a aceitar as mensagens “psicologizadas” apresentadas nos púlpitos em conteúdo e forma.

2. Pregação Antitética E Importante Versus Pregação Pragmática E Relevante

Edward Welch, diretor do Christian Counseling and Educational Foundation, em Filadélfia, teólogo e neuropsicólogo, elabora quatro proposições com respeito à terapia secular. 7 Em primeiro lugar, diz ele, há a questão da identidade do terapeuta. A despeito de as psicologias se colocarem no campo do desenvolvimento científico, a missão do terapeuta se mostra mais ligada às áreas da teologia e do pastoreio. Ambos, terapeuta e pastor, atuam com base na fé. Todos os fatos observáveis são fatos interpretados e, especialmente quanto à pessoa, tais interpretações são fornecidas pela metafísica e pela religião, e não pela observação científica. Por exemplo, o fato de que o homem tem um cérebro que atua no comportamento é uma observação científica; entretanto, que problemas emocionais possam ser causados por um complexo de Édipo não é uma declaração científica. 7 WELCH, Edward. A discussion among clergy: pastoral counseling talks with secular psychology. The Journal of Biblical Counseling, Vol. 13, No. 2 (Winter 1995) .

Em segundo lugar, diz ainda, as cosmovisões das psicologias não são verificáveis. Antes de ver um cliente, o terapeuta tem teorias e modelos que influenciam o modo de observar a pessoa: teorias da personalidade, normal e anormal, bem e mal, certo e errado, motivação, epistemologia -e Deus. Essas teorias não surgem de investigação científica, mas de movimentos internos e reações externas quanto às questões transcendentais, à realidade observável e às pessoas -tudo dentro de uma estrutura cultural, familiar, educacional, política, etc. Elas não são testadas e provadas, mas vão sendo “autocomprovadas” de cliente a cliente sob a hermenêutica do observador.

Em terceiro lugar, os terapeutas raramente examinam os seus compromissos de fé. Por razões claramente políticas e históricas, os psicólogos têm enfatizado a sua relação com a ciência e não com o cuidado pastoral (apesar de Freud ter usado o termo “cura de almas” em seus escritos originais 8 ). Quando existe a tentativa de acomodar os dois opostos (integração ou síntese), o mais comum é que o cuidado pastoral seja submetido às psicologias. São inegáveis os fundamentos religiosos dos mais conhecidos iniciadores de escolas de psicologia, sem que, no entanto, os pastores e estudiosos cristãos, na maioria das vezes, levem em conta a premissa de fé de seu anticristianismo. 9 Em quarto lugar, os terapeutas buscam conversões. As psicologias estão envolvidas na tarefa de redenção (de problemas, de pessoas) por meio de redentores outros que não Jesus Cristo. É certo que muitos crentes tornam artigos da fé cristã em ídolos (oração como meio de controle de Deus e não como meio de dependência de Deus, decisão e não cruz como referencial da salvação, missões como ponto central da Grande Comissão e não a Palavra de Cristo, etc. -mas tudo isso também é psicologização).

Welch propõe quatro pressupostos para a consideração da fé na prática do gabinete e do púlpito. A primeira é que a cosmovisão cristã é singular. Ela começa e termina com o Deus revelado na Escritura. A segunda é que a cosmovisão cristã bíblica fala com profundidade às observações da psicologia moderna. A terceira é que a cosmovisão bíblica fala criticamente a fenômenos psicológicos sequer tratados nas psicologias seculares. A quarta é que o mundo, o indivíduo e a sociedade não têm sentido fora da cosmovisão cristã.

Para o pregador, a importância de uma cosmovisão bíblica clara -uma hermenêutica da Palavra para o estabelecimento de uma hermenêutica do mundo -têm razões maiores do que a relevância da mensagem para o mundo. Na verdade, a simples idéia de que alguém precise dar relevo à palavra de Deus como se ela não fosse mar de bela simplicidade e profundidade temerosa, voz de tempestade e rumor das águas -é um rebaixamento do seu valor. A mensagem do evangelho já é relevante! Importante e relevante para atingir o homem interior e o homem exterior (1 Co 14.24-25).

A grande razão para a construção de uma cosmovisão que reflita o pensamento segundo os pensamentos de Deus é o próprio púlpito. De modo muito grave, pastores que procuram a relevância da mensagem para a audiência sem considerar a importância da Palavra, tornam-se medíocres, posto que “descem ao povo” para alcançar a média cultural. Na tentativa de proferir mensagens “pop”, acabam sendo superados pela audiência. Neste mundo “virtual”, homens, mulheres, adultos, jovens e crianças vêm às igrejas permeados de “conhecimentos” filosóficos e psicológicos -mais do que seus pregadores. Novelas, filmes, desenhos animados, noticiários políticos e esportivos, programas culturais, tudo tem forte conteúdo filosófico e psicológico. A característica do “faz-de-conta” ou mimese do teatro é a força da televisão. Na “caixinha”, pastores de sucesso dirigem “cultos” com a precisão exigida pelo marketing moderno. Comédias, dramas e propagandas usam requintados artifícios e argumentos vindos da cultura acadêmica. É inegável a influência de autores versados em filosofia e psicologia na TV. Desde conteúdo romântico, realista, social, do absurdo e outros, às técnicas derivadas das idéias, tudo está ali para ser aprendido de modo não-formal, tácito. O estilo de documentário do “efeito de alienação” (técnicas anti-ilusórias mostrando à audiência que ela presencia uma representação da realidade) cria filósofos e psicólogos caseiros. Vez por outra uma expressão de Nietzsche espoca de Zaratustra para a novela ou letra de música. Darwin é autoridade sobre a finalidade e o propósito da vida. Ditos de Freud são contrabandeados em filmes, novelas e propagandas -fora de contexto, analisando menos e formando mais o telespectador passivo. Nomes influentes se tornam letras minúsculas na mente confusa do sambista: diderot, freud, brecht, marx, etc. 10 A fim de alcançar essa audiência com a ajuda cristã, o pregador terá de conhecer o mal que a acomete e não apenas repetir o rótulo do problema. Terá de entender no coração a extensão e profundidade do pecado, e a extensão e profundidade da redenção. Por exemplo: existem “mecanismos de defesa”? Sim, mas a sua gênese não é freudiana. Freud os identificou, como excelente observador do homem pecador, mas prisioneiro desses mesmos mecanismos de defesa. A Palavra de Deus diz que nossa defesa e ataque se referem primei-10 Cf. SCHAEFFER, Francis A. The great evangelical disaster. Em The complete works of Francis A. Schaeffer. Vol. IV, livro 5. Westchester: Crossway Books, 1985. Capítulo 2: “Embora isso esteja claro no pensamento de círculos acadêmicos e filosóficos, está igualmente generalizado na cultura popular. É impossível ligar a TV, ler o jornal ou folhear uma revista popular sem ser bombardeado com a filosofia do relativismo moral, da experiência subjetiva e da negação da verdade objetiva”. ramente ao próprio Deus e, depois, às pessoas (Rm 1.18-2.15). Ela estabelece, de diferente perspectiva e corrigidos, esses e muitos outros “mecanismos”. O que deve ficar claro é que não se trata de cooperação entre psicologia e pregação bíblica, mas de uma pregação importante para pessoas com problemas relevantes que devem ser tratados de maneira evangélica, redentiva.

Filhinhos, vós sois de Deus e tendes vencido os falsos profetas, porque maior é aquele que está em vós do que aquele que está no mundo. Eles procedem do mundo; por essa razão, falam da parte do mundo, e o mundo os ouve. Nós somos de Deus; aquele que conhece a Deus nos ouve; aquele que não é da parte de Deus não nos ouve. Nisto reconhecemos o espírito da verdade e o espírito do erro (1 Jo 4.4-6).

3. Linguagem E Comunicação

O uso de termos das psicologias na pregação poderá dar a idéia de atualização e erudição, ou de popularidade, principalmente quando tais termos pertencem à psicologia “pop”. Na verdade, pessoas influenciam pessoas e palavras influenciam pessoas. Primeiramente a Pessoa e a Palavra de Deus e secundariamente pessoas e palavras humanas. Mais do que nunca, a linguagem adquire hoje uma importância vital. É o coração da comunicação. O alvo que miram o pregador e o mundo com as armas da verdade e da supressão da verdade. O mundo pós-moderno em especial muda e valoriza o conceito de linguagem e expressão -atingindo a própria natureza da epistemologia e da metafísica.

A expressão “pós-modernismo” só poderá ser entendida de modo “pósmoderno”. O que isso quer dizer? James W. Sire afirma que o termo pós-moderno é usado por diferentes pessoas para caracterizar diferentes facetas da vida cultural e intelectual. Trata-se de um termo nebuloso que pretende definir não apenas aquilo que é periférico, mas também o centro de uma cosmovisão -“como se um termo que define uma cosmovisão sem um centro pudesse ter um centro”. 11 O problema do desentendimento do termo reside no fato de que não foram mudados apenas os termos da cosmovisão, mas a própria hermenêutica.

Sire diz que o termo pós-moderno foi cunhado, inicialmente, para se referir ao distanciamento arquitetônico entre as formas simples e impessoais do traçado moderno e as formas mais complexas, utilizando motivos do passado, mas sem seu significado original. Jean-François Lyotard foi quem primeiro usou o termo como uma mudança de legitimação cultural, “a incredulidade voltada às metanarrativas”. 12 A proposta geral foi a de partir da descrença quanto à epistemologia e à centralidade metafísica para uma opção pelo pluralismo de perspectivas. Ao criar a verdade por meio da construção da linguagem em função de propósitos particulares, coloca o aspecto modal da estética no lugar primeiramente do aspecto pístico e, depois, dos aspectos éticos e jurídicos.

O mundo de hoje está imerso nesse pluralismo. Esse perigo existe sempre que as perspectivas incorporam pressuposições não-cristãs, as quais, subseqüentemente condicionam a totalidade da investigação.

Por exemplo, os comportamentistas ou os teóricos da personalidade talvez presumam que a religião seja apenas um meio humano de se lidar com o cosmos, e que Deus poderia ser efetivamente eliminado dos estudos. Dificilmente os resultados de suas investigações confirmarão a presença de Deus. 13 Além disso, lidar com perspectivas na teologia poderá conduzir a um pluralismo, o qual tende a se afastar da teologia teocêntrica.

O ser humano interage com aspectos modais da realidade. Esses modos são colocados em termos de importância e prioridade quanto à sua capacidade de encasular uns aos outros, não seguindo, entretanto, uma seqüência absoluta e contendo encasulamentos que ocorrem fora dessa ordem. 14 Um bebê, no berço ainda, já tem uma forma organizacional de atividade mental afetiva, tanto motora quanto intelectual. Sem palavras com as quais possa elaborar sobre suas percepções, ele as processa no conjunto mais geral das emoções (as quais são expressões dos afetos em seus dados movimentos). Não tem ainda habilidades críticas para lidar com o conhecimento -nem poderia ter, por causa da estultícia ingênua que caracteriza, nessa idade, o ser humano decaído. Por isso, a partir de suas observações, ele poderá derivar fixações afetivas que o acompanharão pela vida se não houver uma conversão. Assim, observando os aspectos modais mais primários da realidade na observação das coisas da vida, num crescendo até onde lhe permite o desenvolvimento físico e mental próprio de cada idade, a pessoa conhece parte de si mesma e parte do mundo ao seu redor.

Quando usa termos psicológicos para explanar temas bíblicos, o pregador induz a audiência a formar crenças calcadas em conceitos anticristãos sobre a realidade interna e externa da pessoa. É a água caindo na forma dos copos mentais da cultura de cada indivíduo e da sociedade em geral. A habitação da fé é deslocada da Palavra criadora de Deus para a imaginação humana, que, por sua vez, é deslocada para as operações mentais do erro esposadas por pensadores anticristãos. 13 POYTHRESS, Vernon S. Symphonic theology: the validity of multiple perspectives in theology. Para evitar esse erro fundamental, o pregador deverá -além de conhecer a Palavra de Deus desde uma perspectiva da história da redenção, além de fazer uma hermenêutica correta da Palavra de Deus e baseado nela uma hermenêutica da pessoa e do mundo, e além de cuidar para que sua linguagem expresse o pensamento de Deus e não do mundo -expor a Palavra de Deus de modo redentivo.

4. Comunicação Da Palavra

Muitas pessoas estão nos bancos da igreja para apreciar a estética do culto e, às vezes, do sermão (mais ou menos por trinta minutos), ou para entregar a vida a uma narrativa de entusiasmo ou de sucesso. Para elas, o passado não é fixo, mas poderá ser mudado por perspectivas criadas à luz do presente. O profeta é um historiador com poderes para recriar o passado e criar o futuro. Sua linguagem é compreendida porque suas perspectivas, seus termos e suas imagens se adequam à mentalidade moderna. Por quê? Porque os púlpitos já compraram a idéia do horário nobre, da linguagem “religiosa” secular, usada nos filmes, nas novelas e nas propagandas. O ensino bíblico foi substituído pela educação nas escolas públicas e particulares sem a crítica necessária da luz da Palavra de Deus.

Qual o significado secular de termos como Deus, verdade, redenção, fé, amor, esperança e espiritualidade? Seriam os significados bíblico-teológicos? Ou seriam os de algo superior, de livramento da opressão, de intuição ou salto místico, de sentimento de bem-estar exigente e solitário, de boa-fortuna ou desejo ardente, de controle sobre o invisível e sobre o futuro? Na verdade, uma nova religião prega um novo controle desordenado, uma nova presença etérea e uma nova autoridade incerta em vez de pregar os antigos e sempre novos princípios do controle, presença e autoridade de Deus.

Além disso, a troca de referencial da linguagem do ponto focal (Deus) para o ponto subsidiário (homem) aumenta o abismo entre a pregação das verdades bíblicas e a compreensão popular. Não apenas os ouvintes, mas, até mesmo, muitos pregadores adotam as novas conotações dos termos e a troca do referencial. O novo pensamento passa a ser coram omnibus em vez de coram Deo, 15 como é o caso das diversas “teologias” naturalistas ou antropocêntricas (Deus considerado do ponto de vista do homem: teologia do pobre, do oprimido, da mulher, da prosperidade, do sucesso, do crescimento da igreja, do processo, etc.). O poder se desloca da graça para a fé, do Deus que responde a oração para a própria oração e do propósito final de glorificar a Deus para o gozo que deveria ser conseqüencial.

5. Desenvolvimento Da Mente Secular E Possibilidades De Pregação

Timothy Keller localiza a era pré-moderna nos anos anteriores aos do meio do século 18. 16 Muitos pensadores, diz ele, criam que a razão e a revelação divina nos ofereceriam a verdade objetiva. Na era moderna, de meados do século 18 ao século 20, os pensadores seculares propuseram a eliminação de Deus -somente a razão, por meio do método empírico, ofereceria acesso à verdade objetiva. Finalmente, na era pós-moderna, de fins do século 20 até agora, muitos pensadores têm concluído que nem a razão nem a revelação poderão oferecer o conhecimento da verdade objetiva.

Os pós-modernistas dirão que todas as reivindicações de aspectos da verdade são socialmente construídas e surgem quando grupos de pessoas e comunidades tecem histórias e narrativas que lhes oferecem significado e identidade. Desse modo, todas as alegações de verdade seriam histórias ficcionais que “funcionariam” para esses grupos. Assim, a “verdade” seria sempre grafada entre aspas. As verdades reinantes em qualquer sociedade seriam aquelas criadas pelas pessoas detentoras do poder. As verdades seriam múltiplas e mutáveis. Não haveria nenhum princípio essencial, mas apenas conceitos contextuais. Não haveria essência interior, mas apenas superfícies e imagens. Não haveria limites, mas apenas combinações e conexões. Não haveria uma grande narrativa (nem metanarrativa), mas apenas múltiplas linhas de história. Em suma, não haveria realidade, mas apenas verdade “virtual”. 17 Keller prossegue dizendo que poucas pessoas estão cônscias e são consistentes em seu secularismo. O pregador cristão, especialmente, deveria ter em mente que há uma continuidade entre o pensamento moderno e o pós-moderno, cuja mistura incluiria os seguintes conceitos: Deus pessoal e Deus impessoal (Deus pessoal, mas impessoal); perfectibilidade humana e superficialidade humana (nota-se o cinismo); universalismo e particularismo (unidade externa e fragmentação interna); lei e acaso (liberdade individual e controle social); individualismo e “comunitarismo” (identidade: homem à imagem do homem); racionalismo e misticismo (além do homem significando aquém do homem). 18 Quais são as implicações dessa integração sintética para a pregação hoje? Keller ressalta alguns pontos básicos. Temas de relevância -temas bíblicos importantes terão de ser dirigidos para temas atuais relevantes. Isso acrescenta valor à introdução do sermão, requer uma argumentação exploratória da linguagem atual e importa em uma aplicação que conecte a experiência bíblica à experiência atual. 19 Vejamos alguns exemplos: conhecimento de Deus (como falar do conhecimento de Deus para quem tem a mente estruturada para pensar no conhecimento em termos pragmáticos e para quem a fé é um salto experimental místico?); salvação (como falar da salvação em Cristo para quem pensa sobre a salvação em termos de idolatria universal e de salvação universal?); satisfação (como falar de provisão divina para quem pensa em suprimentos das próprias necessidades aparentes em termos de abastança, conforto, direito pessoal, etc.?); esperança (como falar de esperança para quem pensa em esperança em termos de “sorte”?); significado (como falar de significado para quem pensa em significado em termos de existência sem qualquer consideração sobre origem e finalidade?); certo e errado (como falar de aspectos morais e éticos para quem pensa em termos de moralidade social relativa e de direitos individuais?); culpa (como falar de culpa para quem pensa sobre ela em termos de deficiência ou de enfermidade?); morte (como falar de morte para quem não tem idéia da continuidade da vida ou da morte após a morte?); verdade (como falar da verdade absoluta para quem pensa nela em termos relativos?).

Para tanto, há a proposta de uma nova abordagem apologética. 20 É preciso lembrar que a nova mente não pensa em termos concretos, mas místicos (em Peter Pan, o homem não foi feito para envelhecer, mas para voar; em A Bela e a Fera, o amor é redentor em si mesmo; em Macunaíma, nada é, mas transforma-se de acordo com a necessidade, capacidade, etc.). Uma boa apologética para os dias atuais deveria ser trinitariana (centrada no Pai, baseada no Filho e dinamizada pelo Espírito), analógica (conforme Deus), pré-evangelística (preparatória), dialógica (prevendo a argumentação), aconselhadora (redenção consumada e aplicada) e estética (beleza da verdade e beleza do amor, segundo Francis Schaeffer).

Em No god but God, 21 Os Guinness e John Seel dizem que o caráter e o sistema do mundo moderno foram produzidos por forças de desenvolvimento e atualização, especialmente a economia, a tecnologia, a comunicação e a globalização (uma falsificação do reino de Deus). Isso significou um dos maiores avanços na história humana e um dos maiores assaltos à humanidade em termos de crises da individualidade e da família. Do mesmo modo, abriu as portas para a pregação do evangelho a todas as partes do mundo com as chaves do desenvolvimento e fechou as portas dos ouvidos do mundo com as chaves da perseguição (do pensamento secular movido contra a fé bíblica). Ofereceu ao 19 Ibid., p. 57. 20 Para um tratamento completo do assunto, ver EDGAR, William. Razões do coração. Brasília: Refúgio, 2001. 21 GUINNESS, Os; SEEL, John (Orgs.) . No god but God. Chicago: Moody Press, 1992, p. 9-10. mundo uma aura de unidade externa com amálgama de fragmentação interna tanto na esfera de povos e culturas quanto de indivíduos e grupos. Como isso nos afeta no século 21? O pós-modernismo representa os pensamentos descendentes/dissidentes do modernismo. A nova hermenêutica, o deslocamento do foco das palavras e dos conceitos produzindo novos significados e a ausência de elementos críticos em função do pluralismo, requerem uma adaptação na comunicação evangélica. Vern Poythress, em God-Centered Biblical Interpretation, 22 propõe uma base hermenêutica de unidade e diversidade, segundo o arquétipo trinitariano, para a pregação hodierna. A Palavra de Deus tem muitos propósitos e muitas funções (2 Tm 3.16). Contudo, o propósito de Deus ao revelar a sua Palavra é único: revelar a si mesmo. Há muitos propósitos numa só unidade interna e externa. A pregação expositiva deverá ter essa base: a exposição da revelação de Deus sobre si mesmo. Tomando o texto de João 17, Poythress trata da exposição da verdade:

João 17 fala da obra de Deus e da sua Palavra. A Bíblia inicia revelando a Deus em sua obra e prossegue confirmando essa obra (Gn 1.1; Jo 5.17). Isso não quer dizer que toda pregação deverá conter uma menção desse fato, mas que deverá estar, primeiro, baseada no fato de que Deus está no controle. Qualquer outra fonte de controle que não seja Deus e sua graça conforme revelado na Escritura será uma manifestação de idolatria. Nada há nem na terra nem nos céus que tenha esse controle, quer seja nome quer seja doutrina quer seja esforço humano. A Bíblia fala da obra do Pai, da obra do Filho e da obra do Espírito Santo.

A Palavra de Deus inclui dar e receber a verdade. Essa verdade é pessoal -Jesus Cristo! Quem vê Jesus vê o Pai em ação! Tal verdade tem significado e é comunicada para o conhecimento. Novamente, nem toda mensagem deverá citar isso, mas toda mensagem bíblica se baseia nesse fato. Deus fala e o homem ouve. Deus falou de muitas maneiras e hoje fala por meio da sua Palavra, e especialmente pelo Filho encarnado. Os ouvintes da pregação evangélica deverão ouvir que Jesus é Deus e que as suas palavras são espírito e vida. Não será a experiência religiosa nem a mensagem que lhes falará ao espírito, mas o Espírito de Jesus de Nazaré.

Deus está presente por meio da habitação do Espírito Santo. A Palavra de Deus lida e pregada é efetivada pelo poder do Espírito, tanto no pregador quanto no ouvinte; e essa Palavra é suficiente para estabelecer a verdade em amor. A beleza da verdade e a beleza do amor serão vistas por aqueles que ouvirem o evangelho da boca do verdadeiro praticante da Palavra. Nem toda pregação deverá declarar isso, mas toda pregação deverá se basear na presença de Deus -uma presença patente na criação, patente na habitação do seu povo e patente na proclamação da Palavra.

Poythress aponta para as implicações desses três propósitos em um, isto é, Deus em ação (controle), Deus em comunicação (verdade) e Deus em comunhão (presença):

Por um lado, Deus tem uma pluralidade e riqueza de propósitos para com a Bíblia. Não podemos reduzi-la a um propósito monolítico. Não podemos reduzir a Bíblia a um simples encontro pessoal… sem a presença da verdade conceitual… Não deveríamos ser intelectualistas, forçando a verdade sem prestar atenção ao encontro com Deus ou à prática da Palavra na vida. Nem deveríamos ser pragmatistas, cuidando apenas “do que é relevante” quanto aos efeitos visíveis sem atentar à verdade ou ao Deus que fala. 23 Ele continua:

João 17.4 diz algo definitivo… Outros versos não apenas repetem esse, mas dizem outras coisas. Ao mesmo tempo, todos os versos de João, e todos os versos da Bíblia, se concatenam para ensinar uma verdade coerente. 24 Existem declarações singulares e plurais, diz Poythress. A unidade e diversidade da revelação de Deus podem ser entendidas por meio de uma tríade de categorias. Classificação ou o tipo de coisa é, por exemplo, “que Deus é e sempre será um e o mesmo Deus ao longo da história”. Momento ou o aspecto particular expressa a diversidade da revelação de Deus: “cada ato de Deus tem sua própria individualidade”. Por exemplo: “A Palavra que se fez carne (Jo 1.14) é uma instantaneidade de Deus”. 25 Associação ou relação é o aspecto que expressa os diversos atos instantâneos de Deus de modo coerente: “Era o Verbo… estava com Deus… era Deus” (João 1.1).

Há um sentido estável naquilo que Deus fala. O sentido da passagem bíblica poderá ser expresso de muitos modos: pode ser parafraseada, explicada com outros termos, ilustrada, mas seu conteúdo, unidade e diversidade deverão permanecer os mesmos, fundados sobre a base do Deus que fala. A aplicação desse sentido deverá ser feita num momento particular, levando-se em conta tanto a singularidade do seu sentido quando a diversidade de momentos particulares. Por exemplo, a ordem de Jesus para que os discípulos portassem espadas e a censura a Pedro por havê-la usado contra Malco (Jo 22.36 e 18.10, 11) . A aplicação correta deverá ser feita por meio da importação de outras passagens a fim de estabelecer as conexões entre seu sentido estável e as diversas aplicações instantâneas. 26 A prática hoje é importar valores seculares para os sermões. Inadvertida ou maliciosamente, muitos pregadores vão introduzindo nos púlpitos expressões e conceitos consagrados principalmente pela psicologia “pop”, em detrimento da doutrina e da linguagem bíblicas. Por exemplo: “auto-estima” (amar primeiro a si mesmo para poder amar o próximo, em vez de receber o amor de Deus que inclui o amor próprio e dar amor ao próximo); “sentimento de culpa” psicológica como origem do problema em vez de culpa moral resultante do pecado; “disfunção” em vez de pecado ou de peso (Hb 12.1); “auto-realização” em vez de realização dos propósitos graciosos de Deus para o indivíduo; “centralização na pessoa” em vez de referência a Deus; “eu estou OK, você está OK” em vez de paz com Deus e paz entre os homens; “adulto/criança” em vez de Pai-Filho-Espírito Santo e filhos-irmãos-servos (Efésios 4-6). Alguém poderá perguntar: Não são essas boas metáforas para as doutrinas bíblicas, suprindo necessidades a que a Bíblia não se refere? Certamente que não! A Palavra de Deus é o livro da redenção. Ela faz as analogias da redenção -e qualquer outro discurso psicológico que seja anticristão é formulado com valores usurpados do evangelho, mas sem o devido poder.

6. Um Termo Da Psicologia Corresponde A Um Termo

DA BÍBLIA?

Para se entender a presente proposta será preciso compreender o uso de perspectivas na Bíblia e na teologia por meio de analogias e metáforas, de temas e de palavras. Poythress escreveu que qualquer analogia é um tipo de perspectiva e que a Bíblia, usando analogias e metáforas, oferece perspectivas sobre todos os tipos de assuntos dos quais ela trata. Contudo, diz ele ainda, uma simples analogia ou metáfora não formula um sofisticado modelo científico nem fornece uma maneira consistente e penetrante de se olhar o mundo. Assim, é preciso distinguir uma segunda maneira pela qual as pessoas usam perspectivas, isto é, “como uma maneira consistentemente desenvolvida de se atender a apresentações particulares de um objeto de estudo” -uma “cosmovisão”. Esse tipo de perspectiva é aquele usado pelos cientistas da psicologia, os quais formulam explicações sobre a natureza do homem, suas motivações e comportamentos e sua finalidade em termos dos seus paradigmas: impulso biológico, padrões de condicionamento, atualização, etc.

A pergunta aqui é: “Teria a Bíblia modelos perpassantes ou perspectivas nesse sentido?” Nenhuma analogia conta a história toda. “A Bíblia não usa uma única perspectiva dominante de maneira exclusiva”. Muitas perspectivas são utilizadas de diferentes formas (e.g., o uso dos temas de luz, glória, amor, habitação e fé). Algumas das diferenças que existem nos diversos livros da Bíblia residem nas diferenças de uso das analogias.

Creio que, em princípio, todas essas diferenças sejam harmônicas (ainda que não possamos ver prontamente como se harmonizam). Sob a inspiração do Espírito Santo, [os autores] selecionaram aspectos diferentes para tratar e os trataram de modos diferentes, porque estavam focalizando ou enfatizando verdades diferentes ou diferentes aspectos da mesma verdade. 27 A Bíblia usa muitas perspectivas para oferecer uma cosmovisão. Poythress continua:

A Bíblia nos fornece uma visão de Deus, de nós mesmos e do mundo… explica as origens e propósitos das coisas, diz quem nós somos, fala-nos de como lidar com os nossos pecados e mostra as nossas responsabilidades básicas em relação a Deus e ao nosso próximo. 28 As razões apresentadas para defender o valor de expandir perspectivas para cobrir as áreas da experiência são pertinentes: primeiro, muitos dos campos de estudo e áreas da vida que são, freqüentemente, compartimentados na mente das pessoas, na verdade, deveriam estar juntos, especialmente no uso da Bíblia; segundo, “os limites que colocamos entre esses compartimentos são muitas vezes arbitrários e artificiais; terceiro, “observando a totalidade da Bíblia ou de uma doutrina [ou pessoas] de outra perspectiva, talvez notemos coisas que haviam escapado à nossa atenção”. 29 Da mesma forma, o uso de perspectivas em temas e palavras e a sua expansão para cobrir grandes campos de estudo e áreas da vida são importantes para a formulação de modelos mais efetivos e adequados. Contudo, como Poythress coloca, há algumas restrições: primeiro, é preciso estar consciente de que nenhum sistema é maior do que a própria Bíblia; segundo, quando uma categoria é usada para agrupar uma série de textos na mente, deve-se preservar como pano de fundo “as diferenças entre os textos e as ligações que alguns, mas não todos, possam ter com um grupo alternativo de categorias”. 30 Poythress oferece doze máximas de uma teologia sinfônica que poderão auxiliar o nosso trabalho: 27

7. Pregação Importante E Temas Relevantes

A fim de proceder a esse tipo de pregação, o pregador terá de ser mais descritivo do que definitivo na escolha do seu método de pregação. A diferenciação entre pregação expositiva, textual e temática tem suas vantagens, mas tem também desvantagens. Poderá servir a um biblicismo incongruente com o propósito crítico da profecia, a um literalismo legalista que subverte o pacto ou a divagações sobre temas “relevantes” para um mundo crítico anticristão ou superficial.

Poythress diz que “a linguagem humana espelha a linguagem divina”. 32 Assim como a Bíblia mostra a Trindade comunicante (o orador, a mensagem e o ouvinte; ver João 14-15), entre os homens existe essa mesma comunicação. A expressão humana não será exaustiva, mas poderá ser substancial. De modo especial, quando a Palavra é pregada, além do seu poder intrínseco e do poder de efetivação do Espírito Santo, há a promessa de esclarecimento do orador e dos receptores humanos. Contudo, aquilo que o pregador expressa é seu pensamento, sua visão, seu sentimento. 33 Ainda, há o elemento de informação, o 31 Ibid., p. 69-71. 32 Ibid., p. 102. 33 Ibid., p. 103. qual envolve a honestidade e fidelidade do orador em relação às proposições da Palavra e está à disposição para a análise do receptor, também dependente de sua fidelidade à Palavra de Deus. E então há o aspecto produtivo que diz respeito ao efeito que causa no receptor (Cl 1.28).

Timothy Keller, em três artigos seqüenciais, 34 oferece um caminho para o estudo da exposição da Palavra para o mundo pós-moderno que evita a psicologização do púlpito e facilita a abordagem de temas relevantes para a audiência com a importância do evangelho. Ele estabelece três perspectivas para a pregação: bíblica, situacional e pessoal.

Keller diz que esses três aspectos não são “partes”, mas elementos integrantes e interagentes da pregação. O sermão expositivo-textual-temático dirigido à audiência do século 21 dominada pelo pensamento pós-moderno deverá ser avaliado de modo diferenciado. Primeiro, é exegeticamente sadio? Como os termos deverão ser entendidos na perspectiva de uma teologia bíblica? Por exemplo, o que significam “libertação”, “oração”, “amor”, “esperança”, “fé”, “poder da palavra”, “bênção”, “graça”, “glória”, etc.? A hermenêutica é clara? Como os conteúdos das passagens deverão ser compreendidos? Por exemplo: “salto de fé”, “experiência”, “novo homem”, “ética”, “liberdade aos cativos”, “sinais e maravilhas”, “teoria e prática”, “corpo e coração”, etc. Segundo, qual a avaliação do aspecto situacional? É vívido, tem “insight” (discernimento, descrição). Por exemplo: “Será que já existia uma entropia antes da Queda?” É prático, criativo? Por exemplo, a Palavra de Deus tem uma mensagem a priori ou a posteriori? É ilustrativo? Se uma verdade não puder ser ilustrada, ou não foi entendida ou não é verdade. Terceiro, qual a avaliação do aspecto pessoal? É ardoroso, compassivo e humilde? As pessoas às quais os pregadores se dirigem são seres criados à imagem de Deus, são pensantes e sensíveis -e as pessoas sabem menos do que acham e sabem mais do que pensam saber. Os ouvintes percebem antes de escutar. É perspicaz? É mister lembrar que as pessoas são decaídas. Os efeitos noéticos do pecado exigem visão espiritual (Romanos 1-2; 1 Coríntios 1-2). Tem autoridade e coragem com amor?

Conclusão

Tem autoridade e coragem com amor? Essa é a pergunta conclusiva. Nos púlpitos, uns apelam para o conteúdo das psicologias porque não confiam que a Palavra de Deus cumpra aquilo que promete. Não crêem realmente que a palavra de Deus não volta vazia, mas prospera segundo o desígnio de Deus (Is 55.11). Outros não crêem nos recursos inspirados da Escritura para o ensino, aprendizado, disciplina, reorientação e formação (2 Tm 3. [16] [17] . Uns e outros não vêem a extensão e profundidade do pecado, nem a altura, largura e profundidade da

Resumo

Este artigo considera a necessidade de um retorno de nossos púlpitos à prática de uma epistemologia bíblica e de sua conseqüente apologética cristã, focalizando a presente psicologização de sermões que ocorre, na visão do autor, para adaptar a mensagem da Palavra ao interesse da audiência ou para suprir uma falta de confiança no poder da Palavra pregada. Faz uma necessária avaliação dos conceitos cristãos e não-cristãos sobre a finalidade e propósito do homem e da sociedade, e sobre a finalidade e propósito da pregação. Pondera sobre a importância da psicologia bíblica redentiva (que bons autores relutam em considerar por causa da possibilidade de mistura e confusão). Examina a importância da pregação expositiva (que só será realmente expositiva se for também ao mesmo tempo textual e tópica). Demonstra a diferença entre o que é biblicamente importante e o que é relevante para a audiência.

Palavras-Chave

Pregação; Secularização; Psicologia; Aconselhamento; Relevância; Pósmodernidade.

Referências

NICHOLI, Armand M. The question ofGod. New York: Free Press, 2002, p. 2.

SIRE, James W. O universo ao lado. São Paulo: Editorial Press, 2001, p. 214. 12 LYOTARD, Jean-François. The post-modern condition: report on knowledge. Mineápolis: University of Minnesota Press, 1984, 10:xxiv.

Ver GOMES, Davi C. Fides et scientia: indo além da discussão de “fatos”. Fides Reformata.Vol. 2, n. 2 (julho-dezembro 1997): p. 142-145.

KELLER, Timothy. Preaching to the secular mind. Journal of Biblical Counseling. Vol. 1, No. 1 (1995), p. 54-64. 17 Ibid., p. 54. 18 Ibid., p. 55-56.

POYTHRESS, Vernon S. God-centered biblical interpretation. Phillipsburg: Presbyterian & Reformed, 1999, p. 52-54.

Ibid., p. 56.24 Ibid., p. 70.25 Ibid., p. 71.

Confissão de Fé de Westminster, I.IX.

KELLER, Timothy. A model for preaching. Journal of Biblical Counseling, Vol. 12, no. 3 (1994): p. 36-42; Vol. 13, no. 1 (1995): p. 39-48; Vol. 13, no. 2 (1995): p. 51-60.

SCHAEFFER, Francis. A missão da igreja. São Paulo: ABU/VM, 1983, p. 207-208: “O Cristianismo é um corpo específico de verdades. É um sistema. Não temos por que nos envergonhar disso.”

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